quarta-feira

Mentiras e verdades

Mal não fazia. Era uma mentira feliz. Era sim! Mas a verdade estragou tudo. Às vezes, a verdade, mesmo sendo bonita de tão nobre e verdadeira, deixa a gente triste.

Sobre dedos e anéis

Hoje encerrei o meu luto. O luto por mim mesma, por este pedaço de dedo que não vai voltar a existir. Estou curada. Não quero mais ter pena de mim. Foram quase dois meses em que muitas coisas foram amputadas dentro de mim; dependendo dos outros para muitas coisas de ordem prática e também afetiva. Fiquei frágil, triste e perdida...
Perdi um pedaço pequeno do corpo e com ele, minha autoestima, minha vaidade, minha alegria. Sem o meu curativo, me sinto nua, sem a menor sensualidade, o que é pior. A deformidade da minha mão é algo que vou ter que aprender a lidar daqui por diante, além da mobilidade parcialmente prejudicada. Mas é preciso jogar o jogo do contente o tempo todo nesta vida, afinal, como não canso de ouvir (e também de refletir), poderia ter sido um braço, uma perna, mas foi só uma falange... Pura verdade! Mas cada um luta como pode com seus fantasmas e monstros. E na conta da falange, também foram algumas outras coisas importantes.
Todavia, a vida tem suas compensações e se perdi parte de um dedo, também recebi muitas mãos amigas. E elas vieram da forma mais doce e despretensiosa de onde eu menos esperava e eu nunca vou esquecer. Gratidão.
E como dizem, "vão-se os dedos, ficam os anéis". Nunca um provérbio popular fez tanto sentido para mim. E que anéis lindos e valiosos me restaram: verdadeiras jóias!  E bem, eu não pensava em ser pianista mesmo...

Extraviado

(Foto capturada na internet. Autor desconhecido. Se alguém souber a autoria desta imagem, mande-me uma mensagem)
 
Precisava desfazer as malas, mas lhe faltava a coragem. Desfazê-las era como assumir que tinha voltado de onde nunca quisera partir. Pois que o seu coração não voltou junto com a bagagem. Fora extraviado.
(março/2014).

quinta-feira

Astronauta

Não era o príncipe que ela esperava... Era o astronauta, pois que vivia no mundo da lua!

Sem reembolso

Comprou uma passagem para um lugar que nunca existiu. Era dessas que inventava lugares, pessoas, amores e até desamores. Adorava inventar histórias que escrevia em seu livro de afetos e alguns desafetos.
Nunca teve muita intimidade com o amor. Na verdade, nunca soube amar e se deixar ser amada, mas se tinha algo que sabia fazer era escrever. Não era no amor que ela costumava se aventurar, mas na escrita.
Pensou em desistir, mas o bilhete na mão era intransferível e sem reembolso. Esse capítulo já estava finalizado, quitado e o bilhete... impresso, ou melhor, eram as páginas daquela história que já estavam impressas.
Sem reembolso... Ela pensou por um instante nessa condição: tudo que gastara que, todavia, não tinha valor monetário; tantos dias e noites, tantas palavras, tantas horas de fantasias, ansiedades e planos... todo aquele investimento não teria reembolso caso algo desse errado no meio do caminho!
Pensou na conta e refletiu pesarosa: porque não escreveu o final antes do começo? Porque não evitou que sua personagem comprasse aquele bilhete? Sempre fora melhor escritora do que amante! E agora ela com aquele bilhete na mão para um destino incerto, que sequer existia no mapa, era a sua própria personagem perdida no meio da estação, tendo como bagagem um coração na mão. Gostava de finais dramáticos e talvez aquele fosse um bom final para a sua história. O trem passou e ela não embarcou nunca. Ao invés disso, pôs-se a escrever como sempre fizera. Nunca chegou ao destino e a história, assim ficou: sem reembolso.

segunda-feira

Sobre amor, café, cigarros e manhãs

A lembrança mais bonita que tenho dele não é de nada que ele tenha feito para mim ou por mim. É a lembrança de uma cena, aparentemente boba e banal, de um momento em que ele era simplesmente ele, resumido em dois ou três gestos ao acordar, mas que guardei fotograficamente na memória.
Acordar com ele tinha som de água caindo, metal riscando o alumínio e cheiro misturado de amor, café e cigarro. Acordava, levantava de mansinho para não me despertar da minha preguiça matinal, fazia um café bem forte e acendia um cigarro. Eu ficava na cama e abria os olhos preguiçosamente, acordando aos poucos com os sons e cheiros que vinham da cozinha. Da cama eu podia vê-lo pela bancada da cozinha americana, fumando o seu cigarro em frente ao fogão, com ar pensante e concentrado, num instante que era tão e somente dele que eu não ousava interferir. Às vezes, eu ficava minutos observando e admirando ele naquela rotina. E eu não sei explicar direito, só sei que eu gostava do que ele era simplesmente naquela hora. E o achava tão bonito com os botões dele, envolvido naquela luz da manhã que entrava pelo balancim da cozinha e se misturava na fumaça do cigarro e no vapor do café, criando desenhos arabescos em torno dele. Às vezes, ele me olhava de lá, sorria e dizia baixinho "dorme mais um pouco" e dava uma piscadinha. Eu sorria e fazia charminho.
Essa é a lembrança mais marcante que tenho de acordar com ele. E quando eu o olhava naquela cena, eu sentia que podia gostar dele pra sempre só por causa daquela fotografia: ele, o cigarro, a fumaça, o vapor do café e a luz do dia... Que todas as noites eram de amor naqueles dias felizes e saber do que éramos um na vida do outro já eram suficientes para justificar minha benquerença. Mas era naquela hora em que eu podia contemplá-lo pela manhã, tão envolvido consigo mesmo, seus hábitos e seus próprios pensamentos que eu sentia a intimidade e a eternidade instalada entre nós. Sempre digo que entre dormir com alguém e acordar junto de alguém existem graus diferentes de intimidade. E eu gostava da sensação de acordar com a casa, com os lençóis e com o meu coração repletos dele e dos cheiros dele.
Quando acabava o cigarro e o ritual do café, ele parecia voltar cheio de ideias e se deitava um pouco mais do meu lado na cama, com um ar de quem queria conversar, sempre com alguma ideia, pensamento ou proposta para o nosso dia ou para o nosso futuro. Eu ria e desviava o olhar. Ele dizia que eu tinha pouca fé. Naquela época, eu tinha mesmo.
Um dia ele encontrou uma roupa minha embolada no meio das roupas dele e me contou o que sentiu: disse que tinha gostado daquela sensação e que se sentiu feliz por eu estar na vida dele. Era simbólico ter minhas coisas misturadas as dele. Foi uma das coisas mais bonitas que alguém já me disse. Fiquei imaginando a cena... Acho que foi o mesmo que senti quando um dia me dei conta das nossas escovas de dente juntas no mesmo copo no banheiro. Não, não significava que estávamos casados ou que íamos casar. Era maior que isso e só nós sabíamos daquela aliança.  Meu coração se encheu de alegria. Olhei no espelho e sorri para moça que estava lá. Ela sorriu para mim. Depois disso, amei algumas vezes, mas nenhum outro amor teve essa eternidade capturada e revelada naqueles fragmentos de horas daquelas manhãs.

sábado

Sobre pássaros e poemas

"Os poemas são como pássaros voando pelo céu... Eles voam em nossa imaginação. O pouso dos pássaros no chão são como os poemas que pousam em nossas mãos. Enquanto os pássaros se alimentam de grãos de milho, os poemas se alimentam da leitura da vida."
(Luna Cruz. Abril/2011 - com 10 anos)

Sobre histórias

Sou uma página em branco. Quem chega me escreve junto comigo. Porque não gosto de contar histórias sozinha.

domingo

Vigília

Brancas noites e muitas horas...
O dia finda quando começa.
Amor é vigília sem fim.
Vigília sem amor é o fim.

segunda-feira

Irreversível - começa onde termina.

(desconheço a autoria da ilustração)

Abraçaram-se rapidamente, sem delongas. Despediram-se apressadamente, como se ele fosse voltar logo mais à noite para o jantar. Estava atrasado para pegar o voo, que não houve tempo de promessas românticas, nem de refletir o futuro que, possivelmente, não existiria. Sem dramas, porque não havia tempo. Mas aquela altura, ela já o conhecia muito bem, o suficiente de sua nobreza, de seu caráter e de seus sonhos, para entender e prever um pouco da irreversibilidade do destino: fora fisgada e agora, era dele o coração dela. Sentiu medo. Há algum tempo andava fugindo das armadilhas do amor. Disfarçou.
Então, sentou o pé no acelerador para viver aquelas horas que lhe foram dadas como um prêmio de loteria com validade. Escolheu viver aquelas poucas-muitas horas eternas. Arriscou mais uma vez atirar-se à felicidade dos amores incertos. Por via das dúvidas, equipou-se com seu paraquedas.
Durante toda a manhã haviam caminhado pela orla com uma intimidade que, embora conquistada às pressas, revelava uma vida inteira de benquerenças guardadas, pois que há tempos ambos esperavam dar e receber com verdade no coração. E ali, naquelas poucas-muitas horas, procuraram entregar-se um ao outro em verdade. Tomaram sorvete como dois namorados apaixonados que se tornaram naquela manhã e caminharam abraçados. Riram e conversaram com desembaraço. Ele contou ofegante sobre os acontecimentos mais marcantes de sua vida. Ela já sabia de tudo por pura simbiose de almas e o sentia sinesteticamente. E assim, ouviu-o com o seu corpo inteiro e com o coração, e,ponderou com afeto. Queria que ele sentisse que agora estava protegido para o resto da vida na vida dela, ainda que o resto da vida tivesse bilhete de partida comprado, com hora marcada para embarque. Sentaram-se ao ar livre e aconchegaram-se um no colo do outro. Ele se deitou no colo dela como se já o reconhecesse de antes e tatearam os rostos um do outro.
Ela lhe preparou o café. Estava meio desastrada, como de praxe quando dormia pouco. Minutos antes, acordou-o com um beijo e lhe falou baixinho ao ouvido - "já são nove horas". Ele a abraçou com felicidade. Talvez a felicidade fosse mais dela do que dele, mas era confortável pensar que ele estava feliz por tê-la tão perto depois de tanto tempo distantes.
Dormiram pouco. Fizeram amor com intensidade, envolvimento, consentimento e desejo e conversaram por uma eternidade na penumbra do quarto, à luz da vela acesa. Que estranha aquela intimidade antiga, embora recente, ela pensou. Abraçaram-se e beijaram-se longamente. E por um lapso, ela quase desejou morar no beijo suave dele e naquele abraço para sempre. Mas logo recuperou a lucidez, vigiou os pensamentos e voltou para o presente. Para sempre era tempo demais para caber naquela noite! Estava feliz com o que já haviam conquistado.
A verdade é que ela desejou um milhão de coisas secretas naquela noite, inclusive que não terminassem eles junto com a noite. Havia preparado o quarto com carinho para que lhe parecesse acolhedor. Perfumou-se, vestiu-se de coragem, enfeitou-se com um pouco de sonho guardado e maquiou-se com pó de brilho nos olhos, que já fazia tempo não usava... E saiu para encontrá-lo em sua chegada. Dele quase nada sabia e no entanto, já o sabia em essência. Confiou na intuição.
Ele remarcou a passagem e dessa vez não se atrasou. Chegou de avião, pois que suspeitou que ela não acreditava em homens montados em cavalos brancos. Combinaram que se reconheceriam pela cor dos paraquedas um do outro, já que ele, como ela, também por medo de quedas muito altas, também não se descuidava do uso do acessório de segurança, em caso de vôos altos. Desembarcou. E quando ele a viu pelo vidro da sala de desembarque, jogou um beijo de reconhecimento e sorriu. Caminhou até ela e se entregaram num longo abraço de saudade, como se em sua chegada, já estivessem também se despedindo, ela sabia. Abraço longo e caloroso... Saudade de muito! Sabiam antes de tudo que aquela história não começava com amor, mas com uma saudade antecipada. Era uma linda história de saudade! Pois que conheceram a saudade antes mesmo do amor.
Ela o havia esperado, disfarçando a ansiedade. Pessoa de hábitos incomuns, ela criava borboletas no estômago e naquela semana o seu borboletário tinha se proliferado, de modo que as borboletas no estômago tinham todas saído do casulo e estavam nervosas e alvoraçadas. Ele perdeu o voo e voltou pra casa chateado. Ela continuou como sempre estivera, havia bastante tempo: só com seus sonhos e delicadezas da alma. Tirou os sapatos, trocou a roupa, limpou a maquiagem do rosto, guardou sua poesia, os paraquedas do medo; deitou-se e dormiu um sonho que era só dela. Voltou a ser o que era sempre: encantada.

quarta-feira

Lembrete

Para você que chega de repente sem me saber completamente: não esqueça o balão a gás e o dicionário. O balão é para me tirar do chão e o dicionário para que nunca nos faltem palavras de delicadeza.

Sobre meninas que crescem

Há alguns anos (diria, muitos anos), durante a primeira grande viagem que eu fiz para fora e para dentro de mim mesma, o meu melhor amigo me disse pela primeira vez "você ainda vai ser uma grande mulher!". Depois, por anos, de alguma forma, ele dava um jeito de me repetir isso sempre que eu compartilhava com ele minhas conquistas, angústias e frustrações. E a cada vez e a cada ano em que ele me dizia isso, era como se ele me dissesse que eu já tinha crescido alguns centímetros naquele exercício de me tornar uma grande mulher. E foi assim, que de centímetro em centímetro, eu não sei dizer se de fato, fui crescendo, mas fui mudando. Hoje já não o ouço mais dizer que serei uma "grande mulher". E eu não sei se já cresci o suficiente pra ser grande assim (ao menos em estatura sei que não).
Com o tempo entendi que o que o meu amigo queria dizer com "ser uma grande mulher" não era exatamente que eu seria uma grande empresária ou uma chefe de estado ou alguém famosa, mas alguém que conquistasse a si própria, que fosse forte o suficiente para superar as adversidades da vida e principalmente que aprendesse a se defender de qualquer tipo de agressão. Grande e bom amigo que era por toda uma vida, ele conhecia tão bem minhas fragilidades, tanto o quanto também acreditava nas minhas potencialidades. E afinal, para que serve um amigo de verdade se não for também para sinalizar nossas atitudes diante da vida?
Até hoje tenho diálogos incríveis e memoráveis com ele. Outro dia, percebendo, pelo meu discurso, que muitos sonhos haviam adormecido ou mesmo estavam amargurados em mim, ele me disse: "queria que você não esquecesse a menina que existe em você!" Aquilo me soou contraditório, afinal, não era uma "grande mulher" que ele almejava ver em mim um dia? Eu lhe respondi: "não posso sentir falta do que um dia já fui, porque não sou mais aquela. E a vida também não é mais tão simples. Tenho problemas de gente grande". Ele retrucou: "só estou te dizendo para não deixar uma mulher amarga ocupar o lugar da menina que morreu". Devolvi brincando, para quebrar a seriedade daquela conversa: "não se preocupe, uma vez por ano eu brinco carnaval". E então, pensei o quanto malabaristas e versáteis nós, mulheres, temos que ser nessa vida: ser de ferro, sem deixar de ser pétala. Eis a alma feminina, que poderia ser aprendida e praticada por muitos homens.
Pois que sei que mora em mim uma menina de vinte anos. Mas ultimamente, me sinto gigante. Será que cresci ou será só mais uma fantasia de menina? Oh, mãe, me explica, me ensina!

Belém, 08 de março, 2013. Dia internacional das Mulheres.

(Sei que o dia de hoje é lembrado por questões coletivas muito maiores, mas dedico este singelo texto - escrito sob licença literária sobre diálogo com um amigo - a todas as amigas guerreiras, mulheres que batalham por casa, filhos, pais, empresa, amor, causas sociais etc, mas que não deixam morrer a linda menina que existe dentro de cada uma.)

domingo

Tudo era uma vez

Não sou Cinderela e não viro princesa. Tudo que começa eu descomeço para começar de novo. O que acabou, nem começou. E se não começa, não acaba. Sou palavra, às vezes ponto. Reticências. Era uma vez...
Tenho medo de baratas, mas não tenho medo de dragões. Enfrento uma batalha se preciso for, escalo torres, desbravo masmorras, enfrento exércitos. Como disse, não sou Cinderela, nem Bela Adormecida e acordo cedo pra fazer o café.
Eu sou aquilo que ninguém quer ver e a única forma de me conhecer de verdade é sabendo tudo o que não sou; é me procurando aonde não estou... É isso: eu sou o que não sou. E tudo que sei do mundo é que ele é grande, tem céu e mar. E tudo que sei do amor é que sapos existem, mas príncipes não. E eu que não sou princesa, vivi o conto ao revés e fui beijada de morte sem ter comido a maçã.
Acho que vou descomeçar de novo. Senta que vai começar a história "era uma vez..."

A tal da química do amor

Muita gente filosofa por aí sobre o amor. Muita gente gosta de opinar sobre a vida amorosa do outro, sugerindo o que é certo ou errado. Muita gente vem com frases de pára-choque de caminhão pra explicar o inexplicável. Eu só sei de uma coisa: amor precisa de atenção, cuidado, disposição, tempo, respeito etc etc etc. Mas se não rolar a tal da química, todo o resto não vai rolar. E pra isso não tem muita explicação. Não adianta ser lindo, alto, gostoso, intelectual, inteligente educado, divertido. Até que tudo isso pode ser o que te atraiu na pessoa, mas o que estou tentando dizer é que o amor depende muito mais de uma coisa mágica e invisível que tentamos explicar e não conseguimos do que de um ato voluntário, uma decisão, uma escolha voluntária propriamente dita. O mundo seria perfeito se assim fosse. Aliás, acho que seria um mundo muito chato, com todo mundo com cara de comercial de margarina. No mundo real as coisas são assim: tem alguém que quer ficar com você, mas você gosta de mim e eu gosto de outro que está feliz com outra porque entre eles rolou a tal da química que não rolou entre ele e eu, nem entre eu e você e que acabou entre você e aquela que queria ficar com você antes de você se apaixonar por mim! Sacou como é que é? É mais ou menos um jogo de sorte. Disposição para amar a gente sempre tem, tempo para amar a gente arruma, argumentos pra manter uma relação a gente inventa, mas tudo isso só vai rolar se tiver "química", essa coisa que não tem explicação! 
Então, enquanto não rolar a química, eu também gosto muito, mas muito mesmo da minha relação com a solidão, enquanto aquele carinha que eu super curto está feliz com o seu amor e não há nada a explicar ou a fazer, porque uma hora acontece pra todo mundo. E eu já passei da idade de ficar de "mimimi" por causa de uma desilusão amorosa. Até a sofrer a gente aprende com a maturidade! E assim caminha a humanidade.
O fato é que você pode ser a pessoa mais perfeita do mundo; você pode jogar pétalas de rosas de um helicóptero sobre a cabeça da pessoa amada, mas nada do que você faça ou fale de bom vai adiantar pra que o pretenso romance dê certo. Não existem culpados. É só um fato corriqueiro da vida que temos que aceitar sem muito drama. Pessoas precisam aprender a administrar suas carências. Eu por exemplo, não estou interessada na euforia falsa do outro, que no fundo é só mais uma forma de solidão e carência. Falo porque já estive do lado de lá, procurando diversão, estar sempre rodeada de pessoas, vivendo superficialidades... Simulacros de felicidade. Até que um dia, com um pouco de disposição, a gente acorda, reduz a velocidade e admite que euforia não é felicidade, mas a busca dela... de forma equivocada! É nesse momento que, repito, se você tiver disposição, inicia-se um processo de reforma interior, de autoconhecimento que pode até ser doloroso por algum tempo, mas que será revelador e edificante. Hoje posso dizer, se não posso determinar por quem me apaixonar, posso escolher a minha solidão, esta sim, uma decisão, e ficar bem com ela. 
É muito bom quando encontramos alguém pra dividirmos coisas e sentimentos, não por necessidade, mas pelo prazer da companhia. Mas é muito bom também quando aprendemos a ficar só e bem conosco mesmo. É como entrar em comunhão com esse valor maior, mais espiritualizado, redescoberto dentro da gente. Acho que por isso tenho a mania de me apaixonar por pessoas libertárias, embora tenham suas idiossincrasias - todo mundo as tem - mas que não se deixam confundir em suas necessidades e por isso conseguem ser intensas, sem serem ansiosas ou eufóricas, porque sabem bem o que procuram.
Reduzir a velocidade, aprender a ficar mais em silêncio e ouvir mais as verdadeiras necessidades interiores, respeitar nossos sentimentos e nosso corpo; aprender a ouvir mais nossa intuição... isso ensina a gente a ser mais observador e reconhecer ou antecipar coisas e situações desnecessárias para a nossa vida.

quarta-feira

Amo devagar

Sempre fiz o tipo "rebelde" e aprendi as coisas da vida pelo caminho contrário e mais doloroso, meio às avessas, para só depois aprender o certo. Não aprendi amar, por exemplo, sem me arriscar, sem me molhar, sem me atirar em quedas livres ou sem perder o ar. Não que amar desse jeito fosse totalmente errado, mas amar para mim sempre foi um mergulho profundo e talvez por isso, eu tenha me afogado em mágoas tantas vezes e quase morri afogada para sentir tudo até a última gota.
Mas com o tempo, de tanto praticar esportes radicais, aprendi a usar equipamentos de segurança, escafandros, paraquedas e capacetes. Afinal, nunca se sabe aonde vai dar a aventura. Melhor previnir!
E assim, fui aprendendo de trás para frente, que amor, amor mesmo, é quele que começa de mansinho, naquele treino diário, tal qual quando começamos uma atividade física depois de tantos anos de sedentarismo, primeiro aquecendo os músculos, e só depois, aumentando a carga. Com o tempo, nossa performance vai melhorando e vamos nos sentindo mais dispostos e mais preparados para treinos mais intensos. Pois que aprendi que amor bom é esse em que nos permitimos começar aos poucos, com o aquecimento do músculo, nesse caso o coração, e assim vamos descobrindo o outro aos poucos, sem a pressa das paixões avassaladoras, que rápido se desgastam, embora tenham seus sabores.
Aprendi a desconfiar de amores instantâneos, desses que chegam ditando as regras, fazendo promessas, erguendo castelos em dois tempos. Desconfio dessa carência e urgência do outro, pois que também eu já fui assim e não era amor, era carência, urgência de suprir a solidão. Mas a um certo passo da vida, refleti sobre a durabilidade e eternidade de algumas relações de amor que preservo até hoje no campo das amizades, afinal, não há amor mais cúmplice e verdadeiro do que o amor de um amigo que nos acompanha há 15, 20, 30 anos... É que amor em qualquer de suas formas, seja no âmbito sexual ou da mera amizade, é sempre construção e, uma casa forte e segura precisa de tempo pra ficar pronta.  E foi refletindo sobre essa construção, que se ergue para além da atração sexual e, às vezes até nascida a partir dessa atração, a amizade, que pude entender que amor não é explosão, mas construção, de confiança sobretudo. Hoje, tenho a certeza de que todas as minhas grandes amizades construídas e fortalecidas até aqui, só o são porque tivemos tempo para nos conhecer, aprender as manias, os gostos, os defeitos um do outro e assim, também aprender a respeitar o espaço e o tempo de cada um e a perdoar seus erros. E perdão é um capítulo delicado do amor, só possível quando conhecemos tão bem a natureza do outro que errou conosco, por um descuido, nunca por leviandade ou crueldade. Então entendi que o amor entre duas pessoas, que extrapola as cercanias da simples amizade, esse amor que envolve enlace, cama, mesa, sonhos, planos de vida a dois e cotidiano, também não deveria ser em nada diferente do amor de uma grande amizade, nem em grandeza, nem em "boniteza", nem em respeito e altruísmo. Pois que muitas vezes, conseguimos ser mais benevolentes e solidários com um amigo, do que com um companheiro ou companheira que vive conosco.
Então, eu desacelerei. E comecei por aprender a caminhar sozinha e a gostar mais de mim, da minha própria companhia, a fazer planos que só diziam respeito aos meus sonhos, como ter o meu próprio lar. Comecei a arrumar a minha casa como quem arruma o coração (ou seria o contrário?)... Vai que de repente, chega uma visita inesperada?!
Fato é que desisti dos esportes radicais. Hoje tenho preferido os menos perigosos, que em outras palavras quer dizer apenas que vivo um dia de cada vez. Ainda assim, mantenho o kit de segurança sempre na mala durante as viagens. Sim, porque ainda gosto de viajar e de aventuras que mexem com a adrenalina! Mas a vida deu voltas e me ensinou a não ter pressa, que amar deve ser leve, o que não significa, menos verdadeiro. E foi assim que, aos poucos, eu já não queria amores que me tirassem o ar, porque o amor de verdade é cheio de ar, de vida. Hoje, no campo dos afetos, meus esportes preferidos são andar de bicicleta, passear de nuvem, jogar risada fora, caminhar de mãos dadas na praia...
Por via das dúvidas, mesmo em dias de sol, ando com o meu guarda-chuva! Vai que chove...
 
Michelle Cunha. (2011)

O Beijo

Quero morar na tua boca, de onde saem as palavras. Quando calam, as palavras são os beijos. Quando beijam, as palavras são molhadas. Quando te beijo, tudo é desejo.
E como da primeira vez, o mundo se desintegra ao redor e tudo que vejo, de olhos fechados, são as estrelas do céu da tua boca!
 
Gustav Klimt. (1907-08)

domingo

Escolha

Hoje eu escolho ser feliz. Só hoje. Vou armada de coragem e sorriso, apesar das adversidades no caminho, das dores do mundo, das saudades latentes, da vida contraditória, do amor ausente. Não importa. Hoje, apesar de tudo, só hoje eu vou ser feliz. Mas é preciso coragem.
Sigamos em frente!

Recado

Quando eu abrir a porta da minha casa para você e te oferecer de presente o meu tesouro, coisas que são muito minhas - minha fé, meu tempero, minha gente, minha música ou minha cria -, tenha a gentileza de só entrar com o coração puro e se desejar ficar guardado em mim para além de um evento banal. Não seja relapso, nem leviano, que  minha casa e meu coração são solos sagrados. Tire os sapatos!
(2011)

Sobre cicatrizes

... E as respostas vieram muitas, de todos os cantos. Todas me rasgaram a alma e me fizeram uma sangria. Mas para renascer é preciso antes morrer. E hoje velei e enterrei a princesa e seu castelo de areia. Renascerei em mim melhor do que antes, melhor do que fui pra ti. E melhor do que foste para mim.

(2011)

sexta-feira

Era tudo ou quase nada

Sabiam tudo um do outro:
Eram deliciosos juntos!
Era o bastante.
Era muito!
... E se amavam sem precisar saber de mais nada.
(para Jujuba)

sábado

Mini-crônica do avião.

Chovia bastante naquele dia e quase ninguém percebeu que ela, como a cidade chorava. Motivos diversos, os dela eram de uma alegria melancólica. Quando naquela tarde, a comadre-amiga se despediu dela na porta do edifício Malibú e ela deu o último abraço também naquela cidade, sentiu a alma tremer de uma saudade antecipada. A viagem tinha sido maravilhosa: muitos passeios, paisagens e diversão, mas principalmente, o que mais gostava dessas horas era poder reafirmar os seus laços. Há tempos, não sabia quando exatamente, adquiriu o hábito de contar nos dedos os anos de cumplicidade e afeto com alguns fiéis amigos. E felicidade maior era se dar conta que os dedos da mão já não eram suficientes para a conta! Que amigos incríveis tinha! E que agora também podia compartilhá-los com sua filha e alimentava esperanças de que a pequena aprendesse naquele convívio a grandeza de uma amizade verdadeira.

No caminho para o aeroporto a cabeça fervilhava com todos aqueles momentos devidamente fotografados que ela, compulsiva por registros, colecionava como figurinhas de um álbum infantil imprescindível. Por um instante pensou em perguntar para a filha "você gostou da viagem?". Mas guardou para si a pergunta e voltou a olhar pela última vez a paisagem molhada da Avenida Atlântica, com um singelo sorriso no canto dos lábios e olhos mareados.

Já no avião, fechou os olhos, fez uma prece e agradeceu. Pediu um fone de ouvido à comissária de bordo, sintonizou de pronto a rádio 5 que tocava "Canção da América" (aquela que diz que "amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito, dentro do coração..."). Não acreditou naquilo. Olhou para os lados para ver se não estava sendo filmada e pensou "isso só pode ser uma pegadinha ou uma ação de marketing" daquelas que as empresas aéreas fazem em dia dos namorados ou final de ano e que ela já tinha visto na internet ou em revistas televisivas. Mas não era. E ela chorou e sorriu mais uma vez. Os amigos estavam lá, no lugar de sempre. Ela estava nas nuvens! Voou sossegada.

(Para os poucos que sabem muito da minha vida e me conhecem bem. Pessoas que passado anos, permanecem no mesmo lugar, me aceitam do jeito que sou, cada um a sua maneira e que não preciso citar nomes, eles se sabem. Amigo é coisa pra se guardar...)


quinta-feira

"Meu Aniversário"



Hoje é meu aniversário
Corpo cheio de esperança
Uma eterna criança, meu bem
Hoje é meu aniversário
Quero só noticia boa
Também daquela pessoa, oba

Hoje eu escolhi passar o dia cantando
De hoje em diante
Eu juro felicidade a mim
Na saúde, na saúde, juventude, na velhice
Vou pelos caminhos brandos
A minha proposta é boa, eu sei
De hoje em diante tudo se descomplicará
Com um nariz de palhaço
Rirei de tudo que me fazia chorar
Cercada de bons amigos me protegerei
Numa mão bombons e sonhos
Na outra abraços e parabéns

Quero paparicações no meu dia, por favor
Brigadeiros, mantras, músicas
Gente vibrando a favor
Vamos planejar um belo futuro pra logo mais
Dançar a noite toda
Fela Kuti, Benjor e Clara

Parabéns, Bianca!
Parabéns, Felipe!
Parabéns, Micael!
Parabéns, Mateus!
Parabéns, Artur!
Parabéns, Luisa!
Parabéns, eu! Parabéns, eu!

Parabéns, Brendon!
Parabéns, Guiga!
Parabéns, Mayanna!
Parabéns, João!
Parabéns, Duda!
Parabéns, Dri!
Parabéns, eu! Parabéns, eu!

quarta-feira

Alado


Foto: Silvana Saldanha

Fez o ninho em minha cabeça e agora habita meus pensamentos.
Às vezes voa para o sul dos sonhos.
Noutras, acha o meu norte.
Ele tem asas.
(para Jujuba)

terça-feira

Contando binários

Não conto tempo.
Conto olhares.
Relógio que marca as entregas -
quando estamos ou não estamos.
E de repente, uma lua passou.
Ele não.
E aqui eu fico
Com meus olhos acesos,
contando binários:
0... 1 ...
sim e não...
tudo ou nada...
ligado... desligado
0... 1...
Uma lua passou por nós...
Ou fomos nós que passamos por ela?

(Out/2012)

domingo

COMO SE FOSSE MÚSICA

E de olhos fechados eu te olhava
e sorria
como se fizesses cócegas
na minha alma.
E com a pele em flor eu  dizia o teu nome
e te ouvia
como se tocasses em mim
um instrumento.
E como se fôssemos noite, nos esquecemos.
e amanhecemos
gotas de orvalho, úmidos,
nos percorremos...
E como se fôssemos juntos, ficamos
e ainda estamos
no meio do rio que nos atravessa...
correnteza. Fomos levados.
Aonde eu, em ti, era só um desejo.
Música que se ouve ao longe,
que vem no vento
e não se detém.
E como se fosses música ainda reverberas em mim...
Melodia
no meio do dia...
era meu o dia.

(Set/2012)

quarta-feira

Sobre amores líquidos

Com o tempo, muita coisa se aprende. Outras, até fazemos questão de desaprender para nos desprendermos de teorias inúteis e vãs. Uma, pra não cismarmos que os outros estão errados; outra, porque é melhor, de vez em quando, quebrar regras, romper leis estranhas e visivelmente descabidas para promover a boa convivência com os demais e com aqueles que, de fato, podem ser nosso apoio naqueles momentos mais terríveis de solidão. 
Há um tempo em que não entendemos por que caramba algumas pessoas maravilhosas que encontramos, nos veem algumas vezes, se encantam e, como em um conto de fadas (pra não dizer de bruxas), somem ao mínimo piscar de olhos...ou de lances de varinhas ou voos de vassourinhas...Como se nunca tivéssemos feito qualquer diferença na vida delas? Melhor pensar nisso como uma doce loucura destes tempos de amores líquidos, onde o concreto e o mais firme soam como perda de tempo... 
A verdade é que, neste mundo em que se pode assumir identidades mil, fácil mesmo e menos trabalhoso é não comprometer-se muito... nem pouco. Tampouco dizer-se e mostrar-se tanto. Fácil mesmo - apesar de mais doloroso e menos emocionante - é não amar. Porque até ao sentir-se amado, vê-se a vida com outros olhos. Vê-se a vida tal qual ela é, de fato: Um excelente motivo para sorrir. E até isso, muitas vezes, na rotina de nosso dia, esquecemos o quanto é bom. E há gente que ainda acha que ele, o amor; e ela, a vida, dão trabalho demais para começarem a ser vistos com outros olhos que não os fugazes e evasivos... 
Eu, de meu lado, prefiro ter trabalho...


(Carmen Palheta é jornalista, minha prima, sobrinha de meu pai, também jornalista, a qual cresci chamando de "mana". Outro dia, eu e ela conversávamos sobre este assunto - amores líquidos "y otras cositas más". Foi um papo delicioso. Hoje ela escreveu este texto que me lembrou muito os meus próprios textos... talvez por eu e ela termos a mesma reflexão e vivências parecidas neste momento da vida. Com autorização dela, publico aqui. Escrever é de família. Ser intenso também).

terça-feira

FOME


A gente come saudade para não ficar com fome. Eu que nem sei direito de onde vem minha fome: se do estômago, do coração ou do baixo ventre. Só sei que é fome.
Fome de gente. De gente quente... servida inteira e não pela metade, com pitadas de beijos na boca,  passadas de mãos, leves mordidas, olhar de desejo e lambidas safadas. Tudo muito. Tudo farto. Sem miséria. Qual o espanto?! Minha fome é de leão. Ou melhor, de tigresa!
De sobremesa, palavras de carinho, abraço apertado, beijinho no cangote, felicidade no corpo e a vontade de deixar o sol raiar sobre nós, amanhecidos ali, de conchinha. E nós largados naquela manhã que sempre ficou pra depois. E até disso que não se viveu eu tenho fome... Mas isso já é café da manhã, é desjejum. É outra hora do dia...
É que de repente, senti saudade. Ou terá sido fome?!
Ihhhh... Isso ainda vai dar banquete!
(para Jujuba)

sábado

Bipolar é a vida!


Tarde de sábado. Estou tentando ler uns artigos e notícias, futricar as redes sociais e ouvir alguma música para me concentrar, mas meu quarto é "invadido" por três personagens femininas - uma criança, uma pré-adolescente e uma adulta, as mulheres da minha vida - que se abancam em minha cama, ligam a TV e põe-se a tagarelar. A adulta, minha mãe, procura um refúgio na casa e descobriu como eu, que é o meu quarto o "guarda-roupa mágico" onde podemos nos enfiar e tentar esquecer do mundo lá fora. O resto da casa está doente, senil e exala mal cheiro, embora nosso esforço monumental em manter a casa e as mentes higienizadas. As meninas menores, minha filha e minha sobrinha, só querem estar na equipe do "guarda-roupa mágico", sem ter ainda a total dimensão do dilema familiar em que nos encontramos, elas brincam e falam meninices. As três se refugiam no meu único refúgio e enfim, perco a privacidade onde já era pouca. Mas isso tem sido rotineiro. Então, respiro fundo, não reclamo e não esboço nenhuma expressão de desafeto, apenas encaro com resiliência uma situação familiar que não está sendo fácil para ninguém, principalmente para a mais velha de nós, a quem olho compadecida de seus esforços supra-humanos. Estamos todos em estado de sítio nas nossas vidas conturbadas, invadidas de uma hora para outra por um estranho, que embora familiar, não o reconhecemos: um avô esclerosado, tendo sido anos antes um pai de família ditador, muitas vezes violento e machista. Talvez a situação fosse um pouco mais amena se ele tivesse cativado algum amor ou respeito entre os seus 11 filhos, mas os tempos eram outros e cresci ouvindo histórias de vida de pouco amor e muita violência. E, também eu, em determinado momento da vida, sofri de alguma forma as consequências da falta de amor que meu avô teve por seus filhos, quando minha mãe tornou-se uma adulta frágil e insegura em consequência de uma infância e uma juventude de opressão. A vida, a nova família após o casamento e a terapia a ajudaram a se fortalecer um pouco.
Os dias tem sido tensos, uma prova de fogo no último mês, em que iniciamos uma fase de muito cansaço físico e emocional, aprendizado e superação e, da parte da minha mãe, ainda que não tenha sido por livre escolha, não deixa de ser um ato altruísta este de cuidar do pai em tais condições de precária sanidade, a esta altura da vida. E enfim, entendemos e aprendemos que todos envelheceremos e que precisaremos de alguém que nos cuide, mas que seja por amor e não por obrigação. Por isso, façamos nossa parte. Ele não fez.
Tenho tentado manter o equilíbrio emocional, surtar o mínimo possível, manter o bom humor, a esperança de dias melhores, a pele bem tratada... Quando este ano começou eu logo recebi os primeiros sinais de provação e estranhamentos desde o início. Fatos que tentei ir ignorando, mas quando parei para fazer as contas, vi-me submersa num mar de má sorte inexplicável. Primeiro foi um relacionamento cheio de planos e sonhos lindos em que de repente, a gente desconhece a si mesma e ao outro e de uma hora para outra tudo termina da forma mais ignóbil que se possa imaginar. E nos perguntamos "cadê todo aquele amor que estava aqui?". Tentei superar uma dor que sangrava e estanquei o sangue para nunca mais. Não parei de trabalhar, não desisti do amor, não praguejei, não fiz escândalos e não infernizei a vida de ninguém e, embora sofresse, tentei ocupar a mente com outras coisas. Não me enfiei numa cama e me esforcei em tentar ser melhor para mim mesma. Melhor ao menos, do que ele foi para mim.
Depois a vida seguiu de pequenos episódios que mais pareciam eventos de contos macabros (mas esta parte é só para dar um pouco de ação a este roteiro. rsrsr): uma aluna em surto "canibalesco" quase comeu parte do meu braço com uma dentada; uma mendiga me espancou à paulada no meio da rua; meu carro foi batido duas vezes; dois assaltantes me agrediram tentando roubar minha bicicleta durante um passeio em que eu seguia feliz... e finalmente, um avô esclerosado que muda a rotina, o cheiro e o humor de uma casa de uma hora para outra... parecem cenas de "trash-movie", não é? Chega a ser tragicômico! Olha, não sei o que eu comi ou qual simpatia deixei de fazer na noite de ano novo, mas que esse ano a bruxa está solta, está, viu?
Ainda assim, verdade seja dita, muitas coisas boas aconteceram também, projetos e trabalhos criativos importantes e algumas pessoas mágicas também entraram na minha vida. Algumas mudando tudo de lugar e até o coração, mas este de tão sofrido já nem sabe mais seduzir e fica sempre reticente.
Segui e sigo tentando equilibrar as coisas, as emoções. Tarefa difícil para uma mulher que até bem pouco era uma menina cheia de sonhos e trejeitos quase infantis. Problemas... quem não os tem? Por isso, não julgo ninguém, mas não admito que me critiquem ignorando o exercício que é superar um cotidiano desastroso e antes que me acusem de "bipolaridade", rechaço: bipolar é a vida. Paciência! Que culpa tenho eu de num dia tudo ir mal e no outro eu encontrar situações ou pessoas que façam me animar, levantar a cabeça e seguir em frente? E há quem diga que não sou otimista. Acho que Schopenhauer me tomaria como estudo de caso. (rsrs)
Acredito que tenho sido muito mais resiliente do que resignada diante das dificuldades... pois não creio que tenho aceitado todas as provas de forma tão passiva, mas tenho me adaptado a certas situações, ao menos tentando fazer o melhor, embora às vezes falhe. Não sou de ferro! Mas tem dias que, francamente, o peso me parece bem maior do que podemos suportar... Aí, dói coluna, músculos, cabeça... tamanho o peso dessas responsabilidades. Já viram o meu tamanho???  (rsrsrs). Eu não tenho vergonha de dizer: 1,49! Sustento uma casa, uma filha, uma mãe, comprei um carro popular com o esforço do meu trabalho, não tenho grandes dívidas, mas vivo sim, como milhões de brasileiros com muita dificuldade financeira e muitas preocupações. Fora tudo isso, e apesar do cansaço, gosto de estar arrumada e perfumada, não ando decadente por aí e procuro ser divertida e me divertir sempre que possível (a vida tem que ter suas recompensas). E que não venham chamar de "meia mulher", ironizando a minha estatura, porque a vida me faz lembrar todos os dias de que sou muito e do quanto sou grande na vida das pessoas que dependem financeira ou afetivamente de mim! Posso garantir que não falta mulher em mim!
Nada nunca me veio fácil e nunca me esquivei em trabalhar para sair do estado de paralisia, mesmo quando achei que ia desabar. Num dos momentos mais difíceis da vida em que me vi sem dinheiro, sem casa, sem plano de saúde, sem trabalho e, principalmente, sem autoestima, aceitei um "subemprego", embora estivesse quase me formando. Fui trabalhar em um bar na madrugada. Chegava ainda à tarde, arrumava as mesas, fazia compras, limpava tudo e no final da noite ajudava até a lavar os pratos. Chegava em casa de madrugada, por volta das 4h e acordava às 6h para levar a filha na escola. Voltava e dormia mais um pouco até a hora de ir buscá-la. Eu procurava levar as dificuldades na esportiva: levava a filha, que era um pouco mais que um bebê, de ônibus para a escola e, para economizar o dinheiro para o dia seguinte, botava um tênis e fazia o caminho de volta à pé para casa. Assim, também praticava algum exercício físico, já que não tinha dinheiro para academia. Não morri por isso, aprendi um pouco mais da vida e posso afirmar que lavava um prato muito bem lavado. Foi um período difícil, principalmente pelo emocional muito abalado. Mas sobrevivi a ele.
É bem verdade, que tenho uma pequena rede de pessoas que, longe ou perto tentam me "cuidar". Outras o fazem sem sabê-lo ou sem saber desse contexto exato de que falo. Eu deixo. Não me faço de rogada, nem de santa. Aliás, santa é um adjetivo que nunca me coube. Sei a dor e a delícia de ser o que sou. Arco com as consequências das minhas escolhas. Estou onde, por bem ou por mal, consciente ou inconsciente, escolhi estar. Procuro não me vitimar, mas às vezes me permito viver a fundo minhas dores. Talvez seja um pouco dramática, faz parte do meu "mis-en-scene". Mas vítima, não! Mas enfim, cada um se constrói e as suas idiossincrasias de acordo com suas experiências de vida. Minha vida tem muitas lembranças boas (cresci dentro de uma família cheia de defeitos, mas amor e dedicação nunca nos faltou), tive ao longo da vida e preservo até hoje amigos incondicionais, desses que pegam um avião e atravessam o país ou um continente só para nos cuidar em um momento difícil por temer que o pior aconteça, um suicídio ou a decadência total, por exemplo). Sou grata, sou grata, sou grata! Ah... e sou grata!
Mas também tenho lembranças de momentos muito ruins, de violências as quais somos acometidos - às vezes por ingenuidade, outras por inexplicável e infeliz paixão, outras por mera fatalidade da vida. E, infelizmente, às vezes, os momentos mais dolorosos nos marcam mais do que os felizes.
Sempre cuidei muito dos outros, quem é meu amigo há mais tempo, sabe bem que mesmo envolta com meus dilemas pessoais e até para negligenciá-los um pouco, eu me dedicava a cuidar mais dos amigos do que mim mesma. E isso é minha natureza e não acredito que eu vá mudar muito. Mas nesse momento, confesso, acho que ando um pouco cansada, com preguiça desse compromisso e displicente desses cuidados com o outro. Me perdoem: a distância e a falta de atenção. Talvez tenha chegado a hora de me deixar ser cuidada um pouco, mas talvez eu ainda não tenha aprendido de verdade a deixar que isso aconteça. É a síndrome da auto-suficiência, que às vezes pode parecer mero mimo para alguns. Desculpem, mas não tenho o total domínio de todas as instâncias dos meus sentimentos. Às vezes me calo, noutras falo pelos cotovelos, noutras me atropelo com as palavras. É que estou aprendendo a andar e a falar por conta própria. Por isso escrevo tanto... Hoje estou me sentindo uma Clarice Lispector em seu "Água-viva".
Vou receber muitas críticas... e vão me dizer que eu não deveria me expor assim nesse diário virtual público. Conheço os meus amigos. E eles também me conhecem, sabem como sou impulsiva e, mesmo que não gostem, no fundo vão me entender e me perdoar porque são meus amigos. Isto é só um desabafo no lugar do grito. Não conto de fato, nada além de reflexões e estado de espírito momentâneo. Eu poderia ter gritado, mas pareceria uma esquizofrênica incomodando os vizinhos. Eu poderia ter ligado para alguém, mas fiquei distante, tão longe que me sinto desajeitada... ou rejeitada talvez. Eu poderia ter ido à praia e teria sido tudo tão diferente neste dia, embora não resolvesse os problemas, mas "desanuviasse"  a mente cansada. Mas deu tudo errado e não tinha que ser. De todo modo, já não escrevo para pedir socorro, mas apenas para dar conta a mim mesma disso que sou... E sou tantas que às vezes me perco entre elas.
Hoje é um desses dias de querer gritar e fugir do planeta terra. Voltar para o últero materno... Mas acredito que sou só uma célula no macrocosmos e que meus problemas o são de boa parte da humanidade também. E são mínimos ao mesmo tempo. E segue o mundo, cada um no seu quadrado.
Sigo eu, segue tu, segue o mundo. Para o alto e avante! Quem sabe eu cresça e apareça algum dia, como me recomendou (sem o menor cavalheirismo) um certo rapaz!

domingo

Sonhos não dormem

Filha dorme.
Vizinho dorme.
Livros dormem.
Eu insone.
Sonhos não dormem!
(04/maio/2012)

quarta-feira

Sobre presentear

Queria te dar um presente, mas das coisas que vi feitas no mundo pelo homem, não encontrei nada que falasse do meu coração por ti. Nenhuma cor, nenhum objeto, nenhum presente. Nada que colorisse, enfeitasse ou vestisse. Nada que tivesse o teu tamanho. Talvez por achar que ainda o conheça pouco, embora já o saiba grande. E fiquei pensando nessa relevância (?) de "conhecer" o outro... Que paradoxo não conhecê-lo ainda tão bem e ainda assim saber daquilo que tu não és... ou que não é teu... ou das coisas que não te cabem. Descubro-te naquilo que não sei de ti. Conheço-te nas coisas que não vejo em ti. E é como tateá-lo nas primeiras vezes que nos soubemos em benquerenças secretas, quando no escuro do quarto eu te via e te (re)conhecia com as pontas dos dedos.
Penso que presentes para alguém assim, não podem apenas cumprir uma agenda. Presentes tem seu valor não pelo que possam conter dentro deles de visível e tateável, mas pelo invisível que possam revelar. Presentes devem falar no lugar daquilo que em nós fica mudo. É o que penso.
Presentes podem até encher estantes e armários, provocar risos e alegrias, mas o essencial é encher o coração de uma certeza que só sabemos quando reconhecemos o outro em nós e isso diz de um lugar particular, de uma zona secreta da amizade da qual poucos conseguem experimentar.
Por isso, por te reconhecer sem te conhecer, nas coisas indizíveis e invisíveis do mundo, pra ti, que és mundo e indivisível do mundo, dou-te minhas mãos vazias para que ao segurá-las nas tuas próprias mãos, possas receber o meu presente. E na inexistência desse objeto, será que minhas mãos estendidas a ti preencheriam as tuas com um presente? Pois que te daria aquilo que sou.

Presentes inúteis


E se eu te desse um abridor de amanhecer
Ou um coletor de orvalhos?
E se eu te desse um pé de sonhos
Ou um desatador de nós?
E se eu te desse uma chave de abrir esperança
Ou uma casa cheia de dança?
E se eu te desse um dicionário vazio
Ou uma caixa cheia de riso?
E se eu te desse um vidro cheio de ar?
Ou um relógio que marca o olhar?
E se eu te desse a minha vontade de amar?
Tu irias acreditar?
E se eu te desse uma trilha no chão?
Abririas as portas do teu coração?

quinta-feira

Ladrilho


Sobre o chão de uma amizade
vejo horizontes e amores.
Passos, passeios, paisagem...
vento que sopra verdade.
E eras tu também ladrilho,
quando eu vagava sem trilho.
E na beleza dessas horas
és esse chão que é caminho.
(Julho/2012)

domingo

Oração da razão

Para as palavras engasgadas, o surto.
Para o amor que virou pó, urna.
Para a esperança que renasce, prudência.
Para todo o mal, o perdão.
Para depois de tudo, o tempo.
Para juntar os pedaços, melhor, não.
Para tecer uma rede, paciência.
Para nascer de novo, o coração.

quinta-feira

Sobre a paz

Quando tudo nos parece na mais perfeita harmonia e surge um conflito que parece quebrar isso, é o momento de pararmos e refletirmos nossos excessos, exageros e ansiedades. Quanto dessa "pseudo-harmonia" na verdade, é ainda apenas o desejo de encontrar a harmonia? E nessa vivência, que mesmo conflituosa se faz bela, porque faz parte do existir, descobrimo-nos frágeis, imperfeitos... humanos. O conflito existe para que possamos praticar a paz; para que possamos amar ainda melhor; para que possamos exercitar e melhorar nossa humanidade. Estou tentando. Às vezes falho.

sábado

Olhos de vidro

Tenho olhos emprestados, quando de mim estou cega. É um cuidado invisível que me empresta olhos de vidro e me dá de presente espelho, que me olha, que me estranha, que me olha, que me ama. Porque no fundo, nossos olhos não são nossos, são do mundo que nos fala. Esse mundo que é espelho e janela entreaberta.

sexta-feira

Chave de coxa

Eu com meus braços curtos querendo abraçar o universo. Ele às vezes me escapa... Ainda dou-lhe uma chave de coxa, seduzo e deixo ele manso. Um dia, quem sabe, acertemos os passos. Eu e ele, dançando e rodando essa valsa no espaço.
Ah! Que lindo bailado seria: nós dois desbravando planetas e continentes... Eu, agora seduzida, me deixo ser conduzida por entre os rios, galáxias, ventos. Que me leve, que me leve. Leve...
É que o universo adora dar voltas.

quarta-feira

Mudou para melhor

Mudou-se simplesmente. Desta vez sem deixar bilhetes com explicações. Sem anunciar a partida. Sem prometer volta. Mudou para ver o sol, a outra margem do rio, para ver as estrelas, para sonhar outros sonhos... Mudou para fora de si, porque o país de dentro já o conhecia bem. Levou pouca coisa, já que o muito tornara-se pouco. Não carregou nunca mais velhas esperanças, nem lamentou.
Pensou em o que fazer com o restante da bagagem... Guarda-volumes são práticos e funcionais. Guarda-se a pesada bagagem e pode-se até esquecê-la por tempo indeterminado, sem incomodar ninguém (até que um dia o responsável se lembre de procurar no setor de "achados e perdidos"), enquanto se pode sair despreocupadamente para um passeio na cidade. Foi o que fez. Libertou-se do peso extra e partiu.
Mudou-se porque tinha que ser. Agora que sabia o lugar das coisas não precisava mais se apegar ao peso daquela bagagem que carregara por anos. O novo endereço não era como o antigo, cujos sonhos e ambições de boa morada, de tão grandes tornaram-se insuportáveis e inviáveis. Não era um castelo, como o antigo endereço, que embora grandioso, era de areia e desmoronou. Era humilde e ainda não passava de um pedaço de papel em branco e um lápis para começar a riscar.
Agora, quando alguém perguntava por aí para onde ela havia mudado, a resposta, segundo boatos que se espalharam na cidade, era, simplesmente: mudou pra melhor.

quinta-feira

Comer é meditar


Entre tantos fatos difíceis e estressantes de lidar neste dia, devo dizer que meu alento foi um maravilhoso almoço tipicamente indiano que me fez refletir sobre esse prazer da degustação. Apaixonada pela culinária do mundo, amo sushi, comida mexicana, alguma coisa da italiana e da francesa e, claro, a comida da minha terra. Mas tenho que admitir que nenhuma comida me provoca tantas percepções sensoriais como a indiana. São tantos sabores que se combinam que a gente se concentra em perceber um a um. Senti o estresse e a pressa me abandonarem naqueles 40 minutos para que eu tivesse tempo de deliciar cada detalhe daquele almoço, como se comida fosse música. Aliás, nesse restaurante, come-se ouvindo uma bela e tranquilizante música indiana, como se a sonoridade e tudo mais naquele ambiente tivesse a intenção de preparar o espírito para receber o alimento. Talvez o cristianismo tenha emprestado da cultura hindu o preceito que ensina que a comida deve servir de alimento para o corpo, como também para a alma.
A cultura indiana é mesmo muito fascinante e inspiradora. Comer na Índia envolve muitos saberes, não apenas sabores. Diz-se de uma cultura tão complexa de elementos e estética, quanto simples em sua filosofia de vida, onde todas as ações, como o simples ato de comer,  tem conexão com o jeito de ser e estar no mundo, que por sua vez resultará em um efeito. Ação e reação. Lei de causa e efeito.
Não conheço profundamente a cultura indiana, mas sei que respirar, meditar, procurar praticar uma moral do bem consigo, com o outro e com o seu ambiente, a força do pensamento, tem efeito cinequanon naquilo que somos e no mundo que vivemos. Dessa forma, o mesmo mundo, com as mesmas dificuldades, poderá ser concebido e "digerido" com peso e de formas diferentes por pessoas, de acordo com sua experiência nesse mundo. Por exemplo, na Índia, busca-se a paz espiritual até para o ato de comer.
E eu comi boa parte do tempo de olhos fechados... e não dizem que nos melhores momentos de prazer fechamos os olhos para sentí-lo melhor? Não é assim quando queremos ouvir uma música em seus mínimos detalhes, percebendo cada um dos instrumentos e tessituras  do arranjo? Não é assim quando fazemos amor e cerramos os olhos para chegar ao êxtase e assim, sentir e ver o outro melhor? Não é assim também quando ao fazermos uma oração, fechamos os olhos afim de atingir o nível mais alto de nossa meditação? Fechei os olhos para encontrar a "paz" que precisava naquele momento de degustação. Fechei os olhos para agradecer em prece aquela refeição tão saborosa, a qual não seria exagero nenhum dizer que é de se comer rezando e da qual muitos dentre nós jamais terão chances de experimentá-la. Alguns por falta de oportunidade. Outros, por falta de sensibilidade.
Fechei os olhos porque eram muitas as sensações daquela comida, que incitavam não apenas meu paladar e o olfato, mas outras instâncias de mim. Aquela comida me deixou feliz e me levou para perto de quem eu amo, com quem eu gostaria de compartilhar aquele momento e aqueles sabores. Pessoas que eu sabia que como eu estavam merecendo um tempo e um prato assim. E então, não seria isso que chamam de "meditar"?
Outro dia assisti uma peça que dizia que meditar não era tão somente ficar concentrado, respirando, com a mente vazia, mas se entregar por inteiro e verdadeiramente, sem dispersão a qualquer coisa que nos faça bem e que faça o bem. Aí, entendi porque tudo naquela comida e naquele ambiente me fazia ficar tão concentrada no momento de comer.  Com certeza nada é sem intencionalidade, porque sinto que naqueles quarenta minutos, eu só meditei enquanto comia, porque assim me entreguei inteira.
Primeiro veio o suco de manga com gengibre, que eu jamais suspeitei combinação tão perfeita. Em seguida a salada, temperada com azeite, limão e gersal (mistura de gergelim com sal marinho). Depois o prato principal: pakora recheada (berinjela suculenta, recheada com queijo ao molho de tomate); arroz integral com mostarda e gergelim, quiche de ricota e dahl de grão-de-bico com abóbora e manjericão (espécie de consomê). De sobremesa, um quadradinho pequenino, mas suficiente para adoçar a vida de uma deliciosa torta de "banana celestial" com canela e açúcar mascavo. Não era muito doce, porque assim como na vida, doce em demasia enjôa. Toda aquela comida tinha uma medida filosófica balanceada e suficiente para uma alimentação equilibrada e que me induzia a uma metáfora análoga à própria vida.
Para finalizar, já em estado de êxtase, no lugar do café, tomei o chai, famoso chá com leite e diversas iguarias. Simplesmente, dos deuses! Comi e bebi em paz e harmonia comigo. Um ato de generosidade comigo naquele dia tão conturbado. Algo que não posso esperar que outros o façam por mim.
Saí do restaurante com corpo e mente alimentados. Aquela comida me incitou pensamentos positivos. Lá fora, uma cidade e uma vida queriam me devorar. É preciso saber respirar, permitir-se parar um instante no tempo, que não para jamais por si só. É preciso saber degustar o tempo para que ele não nos engula... Uma boa receita para se precaver dos dissabores.
Comer realmente pode ser uma experiência perceptiva, reflexiva e filosófica tão rica quanto outras experiências sensoriais.

sexta-feira

Sobre um amor que envelheceu

Estava chateada e não ouviu quando, no meio da discussão, ele disse que a amava. Mais tarde pediu: "repete aquilo que você disse hoje?". Ele já não lembrava o que havia dito de importante na hora da briga. Ultimamente, andavam se dizendo um mundo de coisas que poderiam muito bem ser descartadas em uma lata de lixo pela inutilidade e desperdício das palavras. Palavras são como moedas de valor que merecem ser gastas somente com o que vale a pena. Para o contrário disso, existe o silêncio e sua sábia economia. Mas o cansaço dos anos fez com que se descuidassem das delicadezas que um dia existiram entre eles.
Aquele monte de palavras sem afeto não poderiam nunca fazer bem ao coração. E corações safenados, como se sabe, podem até sobreviver, mas precisam de cuidados redobrados. E isso, por desleixo, descuido e impaciência, aqueles dois já não tinham mais havia anos. Estavam juntos há 25 anos. Sentiam que se amavam, mas o orgulho de cada um os fizera solitários dentro de seu próprio mundo.
Ela repetiu, como se estivesse em perigo. Como se pedisse por socorro: "diz de novo, por favor".  Mas agora, era ele que estava chateado e aquilo o irritou. Ela deu dois passos de costas para ele, como se desistisse de tudo aquilo. De repente, virou-se e disse em voz baixa e triste, "eu te amo tanto". Assim como ela, ele também não a ouviu. Ultimamente, eles não se ouviam mais, como também não se enxergavam. Ela respirou um quase suspiro derradeiro, fundo. Ele ficou reclamando às suas costas. Seguiram assim, esquecidos um do outro e de si mesmos, surdos, cegos e safenados.

segunda-feira

Desamor de carnaval

Era um amor que só crescia e ninguém jamais duvidou. Ficou tão grande que um dia explodiu. Era dia de carnaval e foi um "Deus nos acuda!" todo aquele amor virando pó pelo ar. A moça beijando faceira, o bêbado pela calçada, a mulata que dizia no pé, o homem de sutiã e a turma do funil... ninguém acreditava naquilo. A camélia caiu do galho, o arlequim chorou pelo amor da colombina e até o cravo brigou com a rosa.  Respingou em todo mundo, mas a banda passou e na quarta-feira de cinzas não teve bandeira branca. O amor que era grande virou chuva de purpurina. O carnaval acabou e o amor que um dia brilhou, sambou. Fim.

segunda-feira

Sobre chorar

Precisava esvaziar-me. Toda aquela "m-água" estava me afogando e naufragando junto a nossa casa. Chorei porque eram bonitos os nossos sonhos e eu o queria mais perto naqueles dias e não soube dizer isso a ele. Chorei para gastar a raiva e lavar as frases malditas que deveriam ser proibidas e para derramar palavras benditas que poderiam ter sido ditas para nos salvar. Chorei porque embora o derrame verborrágico, era o silêncio entre nós que assombrava nossa recente alegria.

Chorei para nos perdoar, porque era grande o amor e de tão grande senti medo pela primeira vez. Era do tamanho de um mamute aquele amor, mas delicado como um beija-flor. De tão grande, o amor ficou frágil. E eu e ele sabíamos que era preciso liberar espaço dentro de nós para que o mamute não nos esmagasse. Chorei para esvaziar o copo antes que o leite derramasse.

Chorei por desejo dos beijos dele que não cessa; por todas as coisas e lugares de nós, que só eu e ele nos sabemos e nos reconhecemos. Chorei porque nos pertencemos e isso me emociona.

Chorei porque lhe disse mentiras e a única verdade não é menos digna de lágrimas. Chorei para lavar os olhos e enxergá-lo melhor: amo aquele homem com todas as suas tensões. Eu, que também tenho as minhas. Chorei porque o amor é um mar que transborda em mim. Às vezes, chorar é bonito.

sexta-feira

Sobre coragem

Era a coragem o que diferenciava aquele amor de todos os outros. E se tinha coragem, tinha a grandeza de assumir também a fragilidade humana de quando em vez para que fosse possível também a delicadeza do perdão entre os dois.
Nestes dias em que ela experimentava o pôr-do-sol irradiar beleza na sacada do apartamento dele, iluminando os sonhos dela, ela, agora se adaptando aos poucos a uma nova descoberta da vida entre eles, ia tateando as coisas da casa com o cuidado desajeitado de quem ainda está aprendendo a andar, como se buscasse sentir cada detalhe daquela acolhida, não com os olhos, que às vezes não vê mais do que está posto, mas com o coração e a intuição de quem ama e se sente amada. Estar ali, e pra onde iriam a partir de então, ela sabia, havia sido de uma coragem nunca experimentada antes.
Estava feliz. Arrumou a mesa para esperá-lo: dois pratos, dois talheres, dois copos, um amor cheio de coragem. Nem mesmo sabia se jantariam em casa naquela noite, mas era simbólico ter a mesa arrumada com esmero.

Sobre construções

Existe um lugar para pra onde sempre escapo, onde não conheci a infelicidade, o desamor, a rejeição. Onde não conheci o perdão porque não há o que ser perdoado; onde não conheci a solidão. Existe um lugar onde sou feliz sempre que chego. Onde tenho a certeza dos braços abertos, do coração quente, dos olhos brilhantes sempre que me vêem. Um lugar onde não tenho dúvidas e jamais terei. Lugar sem  passado, presente ou futuro e ao mesmo tempo tudo isso e outros mundos também, assim entendo. Lugar de ser pra sempre.
É a casa mais sólida que consegui construir e bem já tentei derrubá-la. Até quis outras moradas, mas nehuma morada me quis feliz assim como esta me quis tão bem. E tenho a sensação de que vou morar nela pra além desta vida e deste século, porque metade de mim mora dentro desta casa e metade dela mora dentro de mim. Habitamo-nos.

segunda-feira

Um dia após outro

Sempre teve convicção de que amor não se sabia assim, como mágica, pronto do dia para a noite, mas aquilo que se regava dia após dia. E que, passado um dia, ao se olhar o dia vencido anteriormente, perceber aos poucos crescendo e se espalhando ao redor como as ramificações de uma trepadeira, cerca viva que um dia os pudesse proteger dos assaltos e sobressaltos que a vida lhes podia pregar.
Tendo vencido os primeiros dias daquela revolução interna, que mais pareciam dias festivos de um ano novo e, enfrentando a certeza dentro de si de que nem sempre os dias seriam de flores, olhou para aqueles primeiros raminhos verdes grelando, começando a se entrelaçar e sentiu pela primeira vez, após longo tempo de estio, o conforto de se sentir enfim, de alguém e, igualmente, sem fragilidade, que alguém lhe pertencia. Não pela posse que isso pudesse denotar, mas pela certeza de porto seguro, onde pudesse ancorar seus desejos de um amor maduro. Ainda que não se soubesse totalmente madura. Nem ela, nem ele.
Não era o amor entre eles que era novo, embora renovado. Era a oportunidade não desperdiçada. A chance de olhar um para o outro uma segunda vez, e como num relance, um resgate, perceber nuances que só o olhar melhorado pelo tempo pode alcançar. E por fim, saber-se morada um do outro.
Aquela oportunidade revelada era a porta entreaberta. Havia tempos que se espreitavam  por entre frestas, aqui, ali, acolá. Sempre por meio de janelas que mais pareciam portais mágicos que se fechavam antes mesmo que pudessem atravessá-los. Ficavam pelo meio do caminho, sem a certeza de que se reconheceriam numa próxima aparição, sempre em mundos opostos.
A novidade daqueles dias de ano novo era a displicicência daquela porta entreaberta em que ousaram atravessar com a facilidade de quem já conhece o caminho... e talvez o conhecessem mesmo de outros tempos, mas que a partir dali era para o desconhecido e em frente que seguiriam juntos, nunca mais para trás.
Ela o olhou nos olhos com coragem e consentiu. Ele segurou sua mão. Juntos deram o primeiro passo... e o segundo... o terceiro. Ao redor deles agora, cresce e se espalha uma linda trepadeira onde florescem lindas flores, que eles podam e cuidam com afeto. Um dia após outro.

(jul.2011)

sábado

Reencontro

E quando chegares,
chega para sempre.
E quando me olhares,
que me reconheças.
E quando me alcançares...
abraça-me forte e não me solta nunca mais.
E quando começarmos a dar nossos primeiros passos...
que caminhemos sempre de mãos dadas.

sexta-feira

OUTONO EM MIM

Sou como as estações.
Agora, por exemplo, sou estio...
tempo que espera outro tempo.
Dispo-me, revelo-me, transformo-me.
Dentro de mim só um sopro de vento frio,
assobio que arrepia a espinha,
assombra os vidros, varre o pó
Risco necessário.
Luz âmbar, folha seca...
Desfaço-me de tudo que não me cabe mais.
Despeço-me daquilo que não é meu.
Sou aquela que um dia amou.
Tempo de estio.
Um dia serei flor de novo.
Outono em mim.

segunda-feira

Sobre amores velados

Com medo de assustá-lo com a intensidade dos seus sentimentos, era baixinho que ela pronunciava o nome dele. E ela sussurrava entre os cabelos, os dedos, mordia os panos... um nome quase velado, em voz quase veludo, num amor quase veloz (tinha urgência). Ela que, quando por descuido foi feroz, mordeu-lhe os lábios e arranhou com as unhas sua pele. Ela fera, quando não se sabia mais disfarçar, ousou pronunciar em uma só ênfase a tal altura aquele nome curto. E foi então que por descuido e desencanto partiu o cristal e ouviu ecoar sua própria voz solitária no vão da desilusão.
Havia quebrado o pacto silencioso de não ultrapassarem a fronteira dos sonhos, onde sabiam-se inteiros. Na terra, o ar era denso e as relações, insuportavelmente reais.
Ela acordou sem esperanças. Ele caminhou solitário e confuso. Sua própria identidade revelada a si por ela era agora o que mais o assustava. Saber-se nela e dela tão verdadeira e intimamente ligado lhe parecia de uma  infeliz admissibilidade de seus próprios sentimentos.

sexta-feira

Sobre a importância das coisas.

Foi bem mais que pele e, em verdade, era todo coração o meu presente para ti quando assim me antecipei, embrulhado no desejo de te ser grande. Mas sou pequena, assim, como Deus me fez em tamanho, embora grande no coração calejado que de tanto calejado, acabou ficando macio e maleável e te guardou dentro dele confortável. Eu já nem mesmo sei porque.

E é com esse coração, o único que tenho, embora vazio, insólito e vagabundo, que te quero abraçar, mesmo na inexistência desse abraço, já que nem mesmo existo. Ainda assim, te dou um pouco de  mim, se me resta algo daquela que te fui, quando foste para mim um alento, uma alegria... ou mesmo que não fui por falta de tempo hábil antes que o sol raiasse e o feitiço acabasse.

Sobre uma ideia quase fixa (ou sobre a fragilidade das coisas)

Era poético se deixar levar pelos ares amarrada a um balão de gás. Era um balão bonito, que ele mesmo providenciara e amarrara fitilho de cetim em que ataria a sua ideia, que embora fixa, fosse frágil. Era mais prudente deixá-la ir e vê-la tal como sempre a viu havia um tempo, em que a espreitava por entre as janelas daquela cidade de construções ilusórias - uma ideia linda, leve, livre e distante -, do que descobrir em terra que de perto ela nada lembrava sua quimera. Havia leveza  nessa metáfora, embora o balão a levasse, ela, a sua vaga e feliz ideia para longe dele. Já lá no alto, de onde ele não mais podia  alcançá-la, ela agora habitava as suas noites de sonhos. Mas era dela o sonho desfeito. E entre as nuvens, o balão subia e, subindo ela sumia insólita por entre palavras e delicadezas que permeavam suas recentes lembranças e que aos poucos se esvaíam ao vento, já que quase inexistentes, até encontrar bem lá no alto de seus devaneios uma janela em que pudesse se debruçar. E de lá, seria ela quem agora espreitaria a vaga e doce ideia de um beijo dele.

quinta-feira

Sobre outras galáxias

No fim da tarde pairou em frente a minha janela um O.V.N.I. Juro que aquele objeto mudou a cor do céu e o deixou sepiado. Beleza e estranheza. Poesia que pairou na minha janela e me abduziu daqui pra outra galáxia e até outras vidas. Eu vivi, morri, revivi e cheguei de novo em ti, de onde nunca deveria ter partido

Sobre partir e chegar

Quando eu chegar serei para ti uma estranha? E para mim, então? Parto para fora desta e não sei qual das tantas que habitam em mim me espera em minha chegada.   Ser e esquecer-me de tudo que não te fui. E nem para mim. Partir e chegar... e repartir. Mas é carnaval e vestirei minha melhor fantasia!

sábado

A memória do corpo

Era como se cada parte do corpo estivesse dotada de uma memória própria. Sentia como se o corpo dele ficara marcado na lembrança do corpo dela. Por muitas vezes no dia, sentiu como se ele ainda estivesse nela:  o corpo estremecia novamente, a pele arrepiava e ela sorria marota sempre que revivia aquela noite. Coisa bonita isso de sentir o corpo em estado de alegria, refletiu. Coisa de pele.

quarta-feira

Sobre esperanças

Esperança: esse muro em que nos agarramos e escalamos até perdermos a noção de nós mesmos. Admiro quem tem esperanças e apego por coisas que são tão infinitas e grandes. Isso o torna também grande!

Digo sempre a mim mesma: para se ter novas esperanças é preciso perder as velhas. Admiro quem tem alguma. Velha ou nova, vale acreditar em algo verdadeiro, embora algumas esperanças pareçam mais nos fazer morrer aos poucos do que nos manter vivos (é que achamos que são as esperanças que nos mantém vivos, é mais dramático do que acreditar que somos mesmo simplesmente fortes o suficiente para vencer as dificuldades da vida. É o que penso). Mas enfim, esperanças são sempre expectativas de coisas boas, nunca ruins.
 
Em mim, nada dói mais além da solidão e do vazio. Nenhum “outro” dói mais em mim. Ninguém, a não ser eu mesma quando assim me percebo:  outra... Vazia.
 
Não sei por que escrevo; se para alguém. Mas tenho a impressão de que quando escrevemos para alguém é como uma forma de nos doarmos mais um tempo; de querer ficar mais um pouco na vida do outro; ou às vezes, de se despedir sem querer ir. Sei que escrever assim, é sinalizar para algo que nos é importante... e é querer manter acesa uma fagulha de esperança. Mas essa, quero perdê-la completamente para poder entregar-me com verdade a novas alegrias.

terça-feira

Sobre princesas aprisionadas

Quando eu voltar, já serei outra e não mais aquela que te deu a chave do meu coração e que você, por descuido, doença ou falta de poesia, perdeu. Com um pouco de sorte haverá um chaveiro de plantão nessa estrada de sofreguidão para moldar outra chave que me liberte da tua masmorra, onde eu mesma, por vontade de amor e desejo dos teus olhos me aprisionei.

Quando eu voltar do fundo desse calabouço, verás a mim em todas as janelas, de onde não te jogarei as tranças e de onde te verei sapo, plebeu ou vaga lembrança, nunca mais príncipe.

Ainda assim, talvez nesse dia eu te beije a face com ternura. E tu - sapo, plebeu, príncipe ou vaga lembrança - me dispensarás algum esforço e delicadeza em me fazer crer que eu haverei sido para ti qualquer coisa que te lembrasse um amor de verdade. Ficarei grata em me libertares da tristeza de nunca haver sido amada por ti.




domingo

Sobre chover

Da noite de chuva lembro dos beijos molhados e da ternura dos teus olhos. Chovia neles algo que limpava o meu coração.

SAFENA

Sabe o que é um coração

amar ao máximo de seu sangue?

Bater até o auge de seu baticum?

Não, você não sabe de jeito nenhum.

Agora chega.

Reforma no meu peito!

Pedreiros, pintores, raspadores de mágoas

aproximem-se!

Rolos, rolas, tinta, tijolo

comecem a obra!

Por favor, mestre de Horas

Tempo, meu fiel carpinteiro

comece você primeiro passando verniz nos móveis

e vamos tudo de novo do novo começo.



Iansã, Oxum, Afrodite, Vênus e Nossa Senhora

apertem os cintos

Adeus ao sinto muito do meu jeito

Pintos ventres pernas

aticem as velas

que lá vou de novo na solteirice

exposta ao mar da mulatice

à honra das novas uniões



Vassouras, rodos, águas, flanelas e cercas

Protejam as beiras

lustrem as superfícies

aspirem os tapetes

Vai começar o banquete

de amar de novo

Gatos, heróis, artistas, príncipes e foliões

Façam todos suas inscrições.

Sim. Vestirei vermelho carmim escarlate



O homem que hoje me amar

Encontrará outro lá dentro.

Pois que o mate.



(Elisa Lucinda)

segunda-feira

MUITO

Quando alguém que você ama vai embora e esse alguém fez parte da sua rotina durante um certo tempo, você fica com a sensação de que faltam umas horas no seu dia (ou na sua noite). Você se esforça pra ser social e se divertir, mas parece que a diversão nunca mais vai ser a mesma e que haverá sempre uma cadeira vazia na mesa do bar ao seu lado.

Um filme passa em slow motion diante de seus olhos e você se dá conta do quanto riram juntos, choraram, falaram bobagens e muitas coisas bonitas também; de que aos poucos vocês abriram muitas portas e do quanto é boa essa sensação de intimidade consquistada... Você se dá conta que foi tudo verdade!

Vocês se ajudaram mutuamente a superar outras dores e outros amores mal correspondidos e decretaram a delicadeza e o respeito entre vocês. Aos poucos você viu a sua agenda ganhar mais um compromisso diário, que no entanto, não demandava nenhum sacrífio na sua rotina. E de repente, você se dá conta que não existe um nome para o que vocês são ou foram um para o outro e que por isso, nunca se rotularam de qualquer coisa; que isso nunca foi necessário. Mas que se alguém perguntasse que tipo de relação existia entre vocês, a melhor e mais bonita definição que você poderia dar é de que vocês eram "MUITO". Sim, "muito" era que vocês eram um para o outro: não eram namorados, casados, ficantes ou paqueras, que tudo isso era insuficiente para traduzí-los. Eram simplesmente: muito! Então, inauguravam ali um novo status de relacionamento e encontravam assim, o seu lugar ao sol no universo dos sentimentos humanos. A vantagem disso é que mesmo se um dia vocês tomassem outros caminhos, que novos amores ocupassem seus corações, ainda assim, não perderiam jamais aquele status de ser um para o outro o que sempre haviam sido.

Vocês compartilharam momentos, sonoridades, sabores, lugares, sensações, presentes que não se compram... e agora, pra onde você se vira há um lugar impregnado de uma lembrança de vocês e você descobre por fim, que saudade se sente não por causa da distância, mas porque estiveram juntos um dia.






De repente, saudade

E de repente, uma saudade invade a minha janela e se instala feito tela bem diante dos meus olhos. Estou olhando pra ela como se fosse um sonho, um filme, uma projeção, sei lá. Mas me deu uma saudade daquelas que já nem lembrava. Daquelas que nem infância quando quer voltar no coração da gente, sabe?

terça-feira

...

Amo com palavras, com gestos, com o olhar, com o tempo que te dedico. Não aprendi a ser de outra forma. Se você não entende isso, lamento. O meu espelho entende. Vou bem ali dizer pra ele que me amo.

AU!

Às vezes lates coisas que não escuto.
mas quando falas com o coração eu te ouço.

É que meu coração escuta o teu
e dispara feito cachorro quando vê o dono.
E fica a balançar o rabinho, feliz.

Cachorro quando tem dono não vai longe.
Assim é o meu coração com o teu. Au!